quinta-feira, 27 de julho de 2017

Palavras que nascem da noite: dimensão educativa das práticas culturais em contextos populares

Palavras que nascem da noite: dimensão educativa das práticas culturais em contextos populares*

Resumo:
O presente estudo busca tecer compreensões sobre as práticas culturais dos sujeitos das classes populares e as relações que se articulam em seus contextos como dimensão educativa. Com esse interesse, o fio norteador dessa reflexão perpassa as interações constituídas no interior dessas práticas e as inter-relações que constituem como entrecruzamentos de saberes e experiências vividas por tal grupo. Nesse aspecto, faço uma opção política de educação na medida em que pauto minha reflexão em uma educação popular na perspectiva de libertação e emancipação. Para isso, busco aqui as contribuições de Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Néstor Garcia Canclini, Edwar Said, Milton Santos, entre outros, para apontar os entrecruzamentos da pesquisa com o cotidiano, o diálogo como colaboração entre experiências e uma pedagogia que perambula nos contextos populares. Em vista disso, me aproximei dos estudos com o cotidiano, para tecer com os sujeitos da pesquisa uma compreensão de que os saberes e práticas culturais assumem funções de aprendizagens e de ressignificações das experiências vividas. Dessa maneira, busquei nas experiências de produção de escrita, nas criações literárias, nos espaços de interações pessoais, nos processos de aprendizagens da produção e confecção do livro, pistas que apontam para um movimento de apropriação e expropriação da palavra nas re-lações afetivas dos grupos e coletivos. Dessa maneira, tais relações afetivas assumem uma dimensão política, colaborando com os sujeitos no reconhecimento de si e na tomada do ato de criar narrativas que historicizam experiências vividas. Por fim, as questões se voltam para pensar as práticas culturais nos contextos populares. Tais práticas delineiam-se na possibilidade de recriar ações libertadoras que se contrapõem à lógica do capital, que reproduz ideias e práticas do imaginário de um mundo sem possibilidades históricas e de papeis sociais pré-definidos.


Dissertação defendida em março de 2017.
PALAVRAS QUE NASCEM DA NOITE

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Celularizáveis

Celularizáveis

Tantas palavras se perdem.
Encontros parecem se repetir;
gestos, rejeitos do dia, anoitecem indigestos.
São turbilhões intocáveis
de frases que ocultam múltiplos sentidos.
No meio dos verões
o sol devora as lembranças.
Gofos de tristezas forjam os corpos brutos
enquanto labirintos recompõem alegrias possíveis.
Lastimáveis são os caminhos dos olhos
que tanto se encontraram com outros
nas noite e dias desses chãos
e agora se perdem nas linhas invisíveis
das torres de telecomunicações.


F.S.S.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Afinal de contas, o que é Pedagogia?

Há algum tempo estamos pensando nestes apontamentos, Contudo somente agora resolvemos verbalizá-los e constituir em um texto, que tem como objetivo principal estabelecer um canal de diálogo com o conjunto de seus leitores.
Portanto, as reflexões abaixo não podem ser vistas como prontas ou acabadas, são


 meras considerações que expomos para serem agregadas, suprimidas, ou até mesmo a concordadas em sua essência. Enfim, o propósito é pensarmos coletivamente sobre este tema, tem tomado um grande corpo na atual conjuntura.
      É neste contexto de incerteza social e de sucateamento da educação pública que uma intensa produção no campo educacional tem sido engendrada, inúmeros são os textos, artigos, colunas, publicações impressas especializadas, programações em rádio difusão e audiovisual, voltadas, exclusivamente a temática educacional. É neste sentido que a Educação tem sido apontada, para muitos, como o pilar central e tábua de salvação do país e não foi por acaso que a atual Presidente reeleita, elegeu como a base para seu segundo mandato o termo “Pátria Educadora”.
      Sendo assim, de qual “educação” estamos falando? A quem ela interessa? A quem ela a tende? Quais os métodos e práticas educacionais em vigor? Enfim, a quantas anda a Pedagogia e o seu projeto político?
      Pois bem, aqui residem algumas inquietações que acreditamos ser de suma importância para pensar uma educação para além das relações capitalistas e que tentaremos abordar a partir de agora.

Afinal de contas, o que é Pedagogia?

      Historicamente atribui-se o papel do pedagogo a Escola, embora na antiguidade, este espaço de atuação não era tão bem definido. Atualmente o campo da Pedagogia se ocupa além do magistério, a supervisão e orientação, além da administração escolar.
      Contudo, o seu signo se origina na “Paedéia”, na Grécia Antiga. Os “paedagogos” eram os responsáveis pelo compromisso de educar. O pensamento educacional grego “Paedéia” era “cuidar dos meninos”, ou seja, educar de acordo com os hábitos, valores e costumes da cultura e da organização social grega.
      Na Idade Média (400 DC - 1400DC) a Igreja Católica exercia o monopólio do saber e do conhecimento.  São os territórios clericais, sinônimos de escola e os clérigos, os pedagogos.
      Com o surgimento do Renascimento e a valorização da cidade, arte e da vida em sociedade, traz novos contornos à vida pública. No entanto é a partir da concepção iluminista, do racionalismo como superação da metafísica e do domínio religioso sobre o pensar, que se inicia uma nova era, a separação entre a Igreja e o Estado.
      O desenvolvimento da técnica e da ciência tem seu pontapé inicial nas Revoluções Burguesas, especialmente a Francesa e a Industrial no século XVIII e XIX.
Portanto a Escola se torna laica, desvencilhada da Igreja (clero), tornando-se compromisso do Estado e da sociedade.
      Todavia cabe aqui ressaltar que as sociedades ditas como primitivas, também produziam ciência e tinham através dos experimentos da troca e da socialização uma base social, muito bem fundamentada a ponto de sobreviverem a um tempo muito hostil.
      No entanto, é no período burguês que a escola moderna, demarcado pelo capital, que o pedagogo toma contornos de ser o principal responsável pelo processo de condução pedagógica, cabendo a si a responsabilidade sobre o magistério, acompanhamento dos educandos e aprendizes, a administração de material, o planejamento e a direção da Instituição Escolar.

E nós aqui, como estamos?

      No Brasil das décadas de 40 e 50, Era Vargas, em pleno processo de industrialização e urbanização urge a exigência do próprio capital de ampliar o acesso das massas populares e periféricas a educação básica com o intuito de qualificar a mão de obra para o mercado de trabalho industrial e urbano. Com o expansionismo do capital, a teoria do capital humano toma força, onde o processo educativo passa a ser conduzido pelo Estado e pelo mercado onde a educação é vista e compreendida como uma mercadoria a ser consumida.
      Entretanto, se a partir da segunda metade do século XX, em pleno Estado Nacional desenvolvimentista, a educação começa a tomar contornos estratégicos, onde destaca-se a sua preponderância no cenário mundial, ainda assim, é conduzida com extremo controle, já que secularmente as primeiras letras na iniciação escolar era circunscrita tão somente a classe dominante de caráter aristocrático colonial. Não é por acaso o alto índice de  analfabetismo no Brasil em pleno século XX e que persiste até os dias de hoje, mesmo maquiado no analfabetismo funcional.
      O fato é que com a necessidade de universalização da educação básica com o mote de preparar serviçais que venham atender as novas demandas do capital industrial, buscou uma rápida qualificação, onde o seu principal objetivo é individualizar, tornar competitivo, calcado no mérito e, por conseguinte, sujeitos aptos a novas diretrizes da modernidade.
Porém, com a ascensão do Golpe Civil Militar de 64 de cunho fascista, um novo odenamento educacional, agora direcionado pelo MEC-Zaid, onde os interesses do grande capital Estado Unidense será privilegiado. Longos 25 anos de obscurantismos, torturas, assassinatos, desaparecimentos, prisões, enfim, períodos estes que nos deixaram marcas e sequelas profundas, jogados no mais profundo atraso e subserviência. O campo educacional foi duramente castigado e observado de perto, estudos no campo da Sociologia e Filosofia foram retirados do cronograma curricular, os estudos de História e Geografia eram direcionados em detrimento ao culto nacional, bandeira e hino, entre outros simbolismos nacionais, nada mais positivistas do que a consigna da Bandeira Nacional – Ordem e Progresso – porém esqueceram de dizer “para quem?” Não é verdade? Isso sem contar com a Apologia do sistema através de conteúdos como EPB (Estudos Políticos Brasileiros) e OSPB (Organização Social Política Brasileira).
      No entanto, com a derrocada dos golpistas pós o longo acordo pela redemocratização do país e por conseguinte a ascensão do projeto neoliberal a qual suas políticas tomaram corpo mundialmente. O desmonte dos serviços públicos em detrimento das privatizações e desemprego estrutural, fruto da precarização e das novas tecnologias no mundo trabalho, as terceirizações e como pano de fundo é vendida a ideia de que a educação assume o papel de salvação para os despossuídos. Como bem retrata o slogam do famigerado “ Amigos da Escola” da Fundação Roberto Marinho: “Educação é tudo”. É mesmo? – Será? Todavia ignoram que a Educação desassociada dos demais serviços básicos e essenciais na construção da dignidade humana não é nada. Portanto, diferentemente do que a burguesia propaga, o acesso à saúde, moradia, alimentação, transporte, enfim, a vida enquanto preceito básico e elementar é essencial ao pleno desenvolvimento social e cognitivo, todavia direito este negado a bilhões de seres humanos mundialmente.
      É neste contexto, de uma educação pública combalida que se avança a consolidação das OS (Organizações Sociais) de modo paulatino a lógica do capital e do mercado vão “tomando de assalto” o sistema educacional, voltado claramente para o ensino técnico e formação de mão de obra barata.
      Recai sobre os trabalhadores a pouca qualificação técnica e baixa escolarização, propagando assim a ideia da empregabilidade que empurra sobre o proletariado a ideologia de fracasso culpabilizando pela sua trajetória educacional e profissional. Como se o contexto histórico, político e econômico não exercesse influência na vida escolar.
      A ótica empresarial se constitui na pedagogia do capital configurada na lógica da reprodução do engessamento da domesticação, do adestramento, da lucratividade e por fim de um ser incapaz de pensar e interpretar  o mundo, porém sinônimo de um mero consumidor.
      É esta a visão que permeia no sistema educacional vigente, onde o educando é agregado a um determinado valor pelo conhecimento adquirido a este conceito que denominamos capital humano.

E a Pedagogia, onde está?

      Paira sobre a Pedagogia, um conjunto de conceitos que tem como objetivo principal minimizar o seu papel e importância, atribuindo assim uma visão secundária no campo educacional. Não é por acaso que se propaga uma leitura sobre o pedagogo, enquanto um educador que impõe e condiciona métodos e práticas de ensino aos demais profissionais da educação.
      Além deste olhar distorcido sobre a Pedagogia residem outras normas que estão carregadas de preconceitos, tais como ser um curso circunscrito a mulheres o maior número de vagas no vestibular em referência às demais áreas, por não estar diretamente ligado à sala de aula, enfim, não faltam adjetivações onde o mote central está na inferiorização do curso, perante as demais ciências.
      No entanto, esta ótica que toma certo corpo, inclusive no campo acadêmico está carregada de senso comum. Entretanto a Pedagogia associada a outras ciências são de extrema preponderância, pois são interlocutores da socialização e difusão dos saberes.
      No contexto de interação e diálogo, a Pedagogia, enquanto uma ciência do campo da educação, compreende que os espaços educativos, sejam eles a sala de aula, ou qualquer outro território de interação são de inúmeras riquezas, que estão para além do cronograma conteudista imposto pela ótica tradicional.
      Sendo assim, torna-se compreensível que as Faculdades de graduação tenha em seu currículo de duas a três disciplinas, voltadas para o campo educacional, pois o quem interessa é o conteúdo a ser incutido a todos, já que o projeto promovido pelo Estado Burguês é de uniformizar e engessar a consciência de todos, alimentando assim uma visão de mundo singularizada.
      Daí deriva a Escola enquanto local pouco atrativo, chato e frio, pois ignora outros saaberes, não leva em consideração a trajetória do educando e tão pouco conhece o local a qual está situada já que o mais relevante são os saberes pré estabelecidos, o cotidiano e a vida passam a ser irrelevantes. Não é à toa que o índice de abandono escolar tem se mantido elevado (Em 2012, 24,3% era a taxa de abandono escolar, cerca de 1,6 milhão de alunos do ensino básico da rede pública. Dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).   Mesmo que haja uma série de políticas voltadas a atender a universalização do ensino em especial no Ensino Fundamental e em menor grau no Ensino Superior
      O sistema educacional tem se colocado em pauta pelo menos nas duas últimas décadas e meia, ora seja através de leis como na Constituição cidadã 1988, nas Leis de Diretrizes Básicas  de 1996, no PNE (Programa Nacional de Educação), nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PNCs -, no Bolsa Família, no campo do Ensino Superior o ReUni, ProUni, SiSu, além dos programas de bolsistas e por fim o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), este último com caráter de aferição.
      O fato é que os parâmetros, as leis, os programas, as normas, as medidas e as avaliações como ENEM, ENADE, Provinha Brasil, Saerj, provas e outros estados e municípios, encontram-se nos marcos do capital, haja vista que temas centrais se mantêm intocáveis, em seu cunho estratégico, como o currículo e as práticas pedagógicas.

Então, de que educação estamos falando?

      Se partirmos da premissa de que este modelo é enrijecido, parte de uma formulação já cristalizada e estática e o mais significativo consiste em reproduzir um conhecimento pronto e acabado, estabelecido por uma concepção linear e determinista de mundo. Estas consignas moldam um currículo fragmentado e equidistante das demandas populares.
      Se por sua vez esta escola é opaca e nada prazerosa, pois quem determina é o mercado e o grande capital, já que a educação é concebida enquanto uma ferramenta de perpetuação das relações de poder.
      A educação que concebemos é emancipatória e libertadora, dialoga e interage com as identidades e diferenças, o seu currículo oculto é calcado nas resistências populares, levando em consideração os processos históricos. As relações entre educador e educando não são hierárquicas e tão pouco estabelecidas pela ótica do poder.
      O conhecimento não é aferido e nem mensurado, já que as famigeradas provas e avaliações não provam nada, pois não consideram outras formas que não sejam as deterministas,  defendidas pela lógica tradicional. 
      As relações estabelecidas no cotidiano são de trocas e afeições, sendo que o mais valioso é o ser humano e não o capital.
      Os saberes são socializados e apropriados por todos, sem agregar  valor e lucro.
      Enfim, estamos retratando os múltiplos saberes que não estão presos a espaços específicos e definidos, mas sim dos saberes produzidos pela classe e que são de todos, pois é patrimônio da humanidade.

Considerações Finais

      Por fim, ainda que a ótica da educação baseada na inclusiva social e das políticas públicas tenham tomado um grande corpo e dimensão, especialmente nos organismos e coletivos que atuam nos movimentos sociais. Nós gostaríamos de pontuar que tais ações em pouco ou quase nada tocam ou mexem em questões de fundo de cunho estratégico. Haja vista que tanto o currículo, área de intensos debates políticos e filosóficos, tal qual as leituras e óticas predominantes dos métodos e práticas pedagógicas se mantêm intactos, produzindo ações conservadoras e toscas.
      Tolem a crítica e o processo de criação dos educandos, culpabilizam pelo estranhamento de uma perspectiva arcaica e endurecida pelo tempo, punem aqueles que não se encaixam e enquadram a forma, castigam aqueles que não comungam dos valores e hábitos propostos pela escola, desdenham das demais culturas e princípios que não estão associadas à visão dominante. Punem os diferentes e destroem a autoestima em nome da meritocracia.   Portanto, estes conceitos estão de pé e se proliferam, deixando sequelas e heranças. Marcas estas imaculadas.
     Com o aumento do tempo escolar na anunciada “educação integral”, o tempo é o disciplinamento do trabalho, já que a afirmativa evidenciada de que a educação é salvadora, esquece de citar as demais políticas que são essenciais ao pleno desenvolvimento humano. Pois sem as mesmas não há dignidade humana. O fato é que em tempos de “Pátria Educadora”, os pilares centrais se mantém fortes e de pé, sem que uma menção a eles sejam ditas. Enquanto isto, amplia-se a perspectiva privatista e sucateadora capitaneada pela bancada das instituições particulares de ensino.
      Tempos difíceis e duros estes, todavia, as ruas nos aguardam, e que transformemos cada logradouro em vida e corações pulsantes, repleta de lutas e sonhos. Já que pensar que a educação não pode estar desvinculada das utopias, da liberdade e do prazer.
      Sendo assim, em se tratando de adversidades, vamos à luta, pois um novo mundo nos aguarda. E que este não seja constituído em classes sociais. Portanto a Pedagogia não deve ser uma ciência neutra e tão pouco a serviço da burguesia, que vê nos educandos os seus serviçais e sim uma Pedagogia constituída nas lutas dos povos contra a opressão e tirania da Capital. 
Por José Roberto Magalhães
Pesquisador e estudioso em Educação
Fabiano Soares da Silva


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Às Margens da Escola

   Este documentário se compõe de algumas narrativas da vida de Abimael Severino, pernambucano, pescador, morador de Macaé.
  Ao narrar a sua trajetória, Abimael remonta a ideia da distância entre a escola e a vida material e deixa explícito que sua leitura de mundo lhe garante a sobrevivência e a educação cidadã que o insere na aprendizagem dos códigos do mundo tecnológico.
  

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Entre Linhas & Vidas

Documentário sobre alfabetização realizado a partir de pesquisa e do cotidiano escolar de estudantes da educação de jovens e adultos. Trata-se do imaginário da infância, do fracasso, sucesso, superação e apropriação da escrita.

Caros amigos e amigas, este documentário foi feito há alguns anos. Mas infelizmente só agora consegui disponibilizar sua divulgação. Abraço!

Com legenda


sexta-feira, 25 de maio de 2012

A ENCRUZILHADA DA ESCOLA


Texto à disposição das possíveis correções, adendos, ponderações, notas, observações entre outras contribuições que possam enriquecer o teor da discussão suscitada.

“Dia a dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiros, para que se acostumem a atuar com o dinheiro atual. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo. E os do meio, os que não são ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem desde cedo como destino, a vida aprisionada. Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças.”
 Eduardo Galeano “A Escola do Mundo às Avessas”

Para pensar a escola pública ora difusa, porém, difundida e definida em um mercado inspirado na velha concepção da sociedade capitalista nos encontramos em uma encruzilhada ideológica onde confundem até mesmos os mais “progressistas” educadores do discurso sobre a educação no Brasil.
Termos como “fator para a formação do país”, “produção de cidadania”, “ascensão social”, “escola de paz” ou não violência (criada pelo próprio Estado), “educação para o trabalho”, etc. são utilizados hoje para criar consenso e justificar ações “administrativas” de dominação social, mas jamais para pensar a escola como consequência das lutas e conquistas da classe trabalhadora.
            Fruto do discurso reacionário e do discurso “progressista” cuja crença nas reformas aponta saídas para mudança social que impedem sistematicamente, o pensar crítico dos sujeitos envolvidos no processo educativo para uma transformação radical da sociedade.
Uma professora baseada em seus anos de magistério disse: “quando o estado quer incutir suas ideias seus projetos na grande massa utilizam-se da escola, vi isso em todos os governos, mandavam fazer isso, mandavam fazer aqui”.  A sua descoberta, traz à tona a função da escola como mecanismo para controle e manipulação das massas.
Na história do Brasil, tal observação já podia ser constatada pelo corporativismo da relação de trabalho com o Estado Novo. Ladraram os “cães de Getúlio” sem ler e escrever; até o autoritarismo do Governo Militar cuja organização coletiva da escola estava baseada no interesse pelo trabalho e a reorganização do mesmo. Vale destacar o modelo da escola industrial, iniciada na década de 20, incorporada ao ideal liberal do Governo Vargas, a partir da década de 40, com o trabalho produtivo e os sistemas de ensino voltados para a indústria. SenaiSenacSenarSestSebrae (juntos vão forma o sistema “S”) e redes de escolas técnicas federais em contexto de expansão do capital monopolista irão permanecer no poder burocrático, nas diretrizes empresariais e na abundância de recursos junto ao ministério do trabalho e da educação.
 A essa lógica de dominação, “desfigura-se o profissional da educação”, sem identidade com a massa que se torna objeto de um depósito chamado escola. Neste sentido esta escola se apresentará como um paliativo fundamental para tapar a ferida produzida pela manutenção das desigualdades sociais e econômicas. Vê-se aberta as suas portas para o mundo do trabalho. Assim, instituía-se a escola como um espaço que contribuiria para a integração econômica formando a força de trabalho que seria absorvida pelo mercado (mesmo que não dando conta desta absorção).
Certo autor, ao analisar a luta de classe na França dizia: “que os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquela com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado...”
Com a reestruturação do capitalismo, reestruturação produtiva e social, sobretudo a partir da década de 90, para pensar a educação no atendimento das necessidades do mercado de trabalho e a lógica empresarial.  Desfiguram-se os fundamentos remodelados de acordos firmados no governo de ditadura militar, MEC-USAID (Agência Internacional de Desenvolvimentos dos Estados Unidos), que atuava diretamente em todos os níveis de ensino, na administração, planejamento, estrutura curricular e seus conteúdos, contratação de pessoal, controle de publicações e na distribuição de livros. Deste modo, as reformas educacionais da ditadura foram orientadas, sobretudo por esses acordos.  Na alfabetização, por exemplo, o método crítico que seria implantado pelo PNA (Plano Nacional de Desenvolvimento) é suplantado pela CRUZADA ABC (ação básica cristã) e pelo MOBRAL (movimento brasileiro de alfabetização) para combater as ações das Ligas Camponesas e outras organizações de base.
A LDB (lei de diretrizes e bases), aprovada em 1996, avança na concepção legal da educação, aumenta-se o número de matrículas (por pressão do capital interno e externo) e flexibiliza os espaços para a formação profissional na qualificação para o trabalho.
Este aspecto ganhou visibilidade no governo FHC, onde se difundiu a ideologia do “fim das classes sociais” e o recorporativismo: trabalhadores agora participam e colaboram com as empresas. Pensar em reestruturação do capital sem a reestruturação de sua própria concepção é inconcebível. É neste sentido que, gradativamente, há o esvaziamento de qualquer espaço de reflexão na escola que transforma a consciência dos sujeitos nela envolvidos.
O currículo sempre revisto à luz do mercado, retirando qualquer metodologia que possa pensar a realidade da massa ou que faça refletir os problemas estruturais gerados por este sistema, diga-se o problema da terra, o inchamento das periferias das grandes cidades, o desemprego sem proteção social, fome (miséria), o abandono, o trabalho infantil e a violência, e a retirada de serviços, produto das conquistas sociais (saúde, educação, saneamento).
          A formação profissional significa aumentar a produtividade do trabalho, a qualidade e a competitividade dos produtos, gerar riquezas. Contudo a esta concepção dois fatores podemos destacar: primeiro, a concepção educacional não consegue acompanhar ou inserir-se dentro do modelo de produção toyotista, onde não se aplicaria ao Brasil, visto que as orientações do modelo de produção na escola ainda estão inseridas dentro de uma visão taylorista-fordista, tendo em vista o baixo desempenho da formação da classe trabalhadora. Inclui-se a isto a distância cultural da classe de trabalhadores semi-analfabeta perante as exigências cognitivas postas pelas transformações de produção.
O taylorismo corresponde ao método de organização do trabalho que eliminou o tempo perdido e o aumento da produção reduzindo o trabalho humano a gestos repetitivo, sem permitir ao trabalhador desenvolver habilidades criativas.  O mesmo se verificará com o fordismo, com o sistema de linhas de montagens que mudará o modo de produzir e a expansão aos mercados, ao incorporar a produção em série à indústria automobilística.  O modelo toyotista, por sua vez, trata-se de um modelo flexível de produção, em que o operário é qualificado permanentemente para desempenhar diversas funções no processo produtivo.  Este modelo desenvolveu-se nas fábricas japonesas a partir da 2º Guerra Mundial com o desenvolvimento urbano-industrial que se consolidará como período técnico-científico após década de 70.  A informatização do processo produtivo vai apontar a novos ritmos da produção industrial, as demandas do mercado, diminuindo a estocagem de matéria-prima e de produtos.
Segundo, a formação da nova demanda de mão-de-obra coloca-se dentro de uma “qualidade da educação escolar”, juntamente com a dos processos de “qualificação e requalificação da força de trabalho”. Deste modo percebe-se que é na base da formação geral da classe trabalhadora, base da educação formal, que tem sido pensado este novo “profissional” apto a novos modelos de produção, subordinados à lógica do mercado e do capital. Considerando isto, podemos perceber como se apresenta as diversas instituições tecnológicas na formação/preparação deste trabalhador.
O sistema “S” repensado sob a luz da política internacional continuará sua atuação de acordo como o estágio ou classificação dada ao trabalhador, por exemplo, o Senai cuidará de se aproximar da preparação do trabalhador polivalente, que se encontra nos primeiros estágios da formação básica: formará o trabalhador operacional. Enquanto outras, junto às escolas técnicas, a um segundo nível, à formação de técnicos com aprendizagem dos fundamentos e conceitos do processo produtivo.
A reestruturação e expansão do ensino médio, por exemplo, acompanha e confirma as políticas dessa reforma do ensino. O “novo” currículo aponta para a inserção da vida econômico-produtiva. Apontando a este caminho as redes de ensino estaduais do país que detém hoje mais de 85% das matrículas do ensino médio.
Os rumos atuais desse processo acompanham a reforma educacional instituída pelo Governo Federal na gestão FHC, cujas orientações de instituições financeiras vêm indicando uma série de medidas para o setor, sobretudo, os indicativos de privatização do ensino superior. A iniciativa privada é representada por 70% dessas instituições no Brasil.
Embora nas últimas décadas, tenha se ampliado o acesso à educação básica, que antes era privilégio de uma minoria e passou a ser direito da maioria. A formação dessa maioria está voltada para a escolha da minoria e restrita a concepção e compreensão de mundo calcada na ótica do mercado e inspirada no modelo de produção. Não há lugar para o ser humano; nem este é o centro do processo de educação. Somado a isto vale ressaltar que o acesso à escola não garante melhores condições de vida a população pobre, sobretudo porque não há crescimento de emprego e sim aumento de mão-de-obra disponível. Cursos de educação profissional, voltado para qualificação (maior parte da iniciativa privada) vêm aumentando gradativamente, como apontou este ano o IBGE, na pesquisa de amostragem de 2007, onde em cursos de qualificação profissional obteve maior êxito na permanência dos alunos, foram 89,8%, em contraste com a Educação de Jovens e Adultos (não tão valorizados pelos sistemas de ensino) com 57,3%.
Nesta lógica, podemos dizer que instituições privadas já vêm ditando os rumos da educação, seja no ensino superior, com as fundações privadas, com flexibilização das concessões de certificação do MEC. Seja no Ensino Médio e Fundamental, sobretudo, do sistema público, onde estados ou municípios vão passando a administração para o setor privado.  No interior de São Paulo são sete municípios onde a gestão da escola pública pertence a iniciativa privada, entre outras parcerias com a iniciativa privada somam 25% dos municípios em São Paulo(dados da Prova Brasil, exame do Ministério da Educação, Revista Veja). Já na Rede de Ensino Estadual de São Paulo o caminho é feito em direção a flexibilização na contratação de professores, com política de bônus, estreitamento do currículo do ensino médio pautado na concepção tecnicista/empresarial e direcionamento do conteúdo para as disciplinas e apoiada por acordos com a Fundação Victor Civita, cuja orientação ideologia é norteada pelas publicações do Grupo Abril que passaram a ser “livro” didático do terceiro ano do ensino médio. Os mesmos passos vão sendo dados na Rede de Ensino do Estado do Rio de Janeiro e em sua Capital, onde também permanece a política de Bônus, parcerias com iniciativa privada, a flexibilização na contratação, ONGs, e o intento de repassar gestão do ensino do Ensino Médio para a Fundação Roberto Marinho e do Ensino Fundamental para a Fundação Ayrton Senna.
Até aqui, compreendemos que a educação apresentada se processa no conflito ideológico e no futuro inexistente do mercado de trabalho. O que não é difícil entender, pois esta educação, apenas representa um momento da situação econômica e do modo de produção existente. 
 O que é a escola? A quem serve? Como funciona? E para quê funciona? São indagações que nos permitem entender onde estamos.  Qual a concepção de escola que necessitamos para construção do processo revolucionário? Que caminho seguir? Que fazer? Estas nos permitem caminhar.

F.S.S.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011